DIRETOR DO CADE PROMETE MANTER VIGILÂNCIA PERMANENTE CONTRA O CARTEL DOS COMBUSTÍVEIS

Em entrevista ao jornal ‘Correio Braziliense’, o novo presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Alexandre Barreto, informou que apesar da intervenção em rede de postos de combustíveis do DF ter chegado ao fim, a autarquia manterá vigilância constante sobre o setor. O objetivo é claro: evitar que a prática de cartel volte a lesar o bolso do consumidor.

Segundo ele, após a operação Dubai, deflagrada em novembro de 2015 pela Polícia Federal, os brasilienses economizaram R$ 300 milhões de reais por ano com os preços competitivos praticados pelos postos de combustíveis em virtude do fim do cartel.

Para o deputado Chico Vigilante (PT), é imprescindível o monitoramento constante do órgão aos preços praticados pelos donos de postos de combustível.

O deputado lembra com preocupação que, recentemente, com a nova política de preços praticada pela Petrobras e o reajuste do PIS e do Cofins feito pelo governo Temer, os preços da gasolina voltaram a ficar muito parecidos em todo o DF.

“Desde a operação Dubai, o CADE se mostrou atuante no combate ao cartel. Espero que o novo presidente dê continuidade à essa política de monitoramento contra o cartel dos combustíveis e de todos os outros carteis que venham onerar ainda mais o bolso do consumidor”, pede.

No mês de agosto, o distrital procurou a direção do órgão para requerer providencias contra a possível volta do carte dos combustíveis em Brasília.

Histórico

O parlamentar foi um dos primeiros a denunciar a existência do cartel em Brasília e também foi o responsável pela primeira iniciativa de combate ao grupo criminoso.

Como deputado distrital, em 2003, ele apresentou o requerimento de instalação da CPI dos Combustíveis na Câmara Legislativa, na qual foi relator.

Na época, Vigilante ouviu depoimentos e realizou centenas de diligências que culminaram com o indiciamento de dezenas de responsáveis pelo cartel. “Foi um trabalho duro. Ouvimos ameaças e sofremos todo tipo de tentativa de interrupção das investigações”, contou.

Em novembro de 2015, a partir da deflagração da Operação Dubai e da intervenção na rede de postos Gasol, a organização criminosa que comandava o preço dos combustíveis foi desarticulada.

Em abril deste ano, em um acordo inédito, a Rede Gasol reconheceu junto ao CADE o uso de medidas anticompetitivas e se comprometeu a encerrar a prática de preços abusivos. O órgão também anunciou uma multa milionária à rede.

Foi o fim do cartel, após treze anos de luta de Chico Vigilante.

 

Leia a íntegra da entrevista com o presidente do CADE, Alexandre Barreto:
Funcionário do Tribunal de Contas da União (TCU) há 17 anos, Barreto é categórico ao afirmar que o Cade é capaz de se proteger de interferência externa ou de corrupção. A autarquia foi citada nas delações de executivos da JBS que teriam interesse em influenciar alguns julgamentos. “O Cade está blindado de ingerências políticas pelo próprio mecanismo de decisão interna. Com relação à  Lava-Jato, é importante enfatizar que o conselho é um dos protagonistas da operação. Todos os programas de leniência, no âmbito da operação, foram firmados no Cade em parceria com o Ministério Público Federal (MPF)”, destaca. A seguir os principais trechos da entrevista concedida ontem ao CB.Poder, parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília.

O cartel dos combustíveis está de volta ao Distrito Federal? O que o Cade tem feito para coibir essa prática?

Temos no Cade um monitoramento constante de preços de combustíveis não só no DF, mas em todo o país. Existe uma série de filtros que foram criados na tentativa de perceber qualquer movimento de combinação ou coordenação de preços. No fim de 2015, o Cade fez uma intervenção muito forte no mercado do DF, em parceria com o Ministério Público do DF, inclusive com a nomeação de um interventor para a maior rede de combustíveis. E observou-se uma queda brusca nos preços dos combustíveis. E, mais importante, uma queda na margem de lucro.

 

Mas os preços voltaram a subir.

Passados alguns meses e uma série de fatores, os preços voltaram a subir gradativamente, porém continuamos a observar diferenças de margens. Nas últimas semanas, houve um aumento brusco, porém identificamos que isso ocorreu pelo aumento de impostos sobre combustíveis. Não identificamos diferenças significativas de margens. Até o momento, podemos observar que não há indícios de que há formação de cartel no mercado de combustíveis do DF. O aumento de preço significativo foi decorrente, mais uma vez, de impostos. Há um trabalho de vigilância constante para evitar que a prática de cartel volte a acontecer.

Seria possível mensurar quanto os brasilienses economizaram após a intervenção do Cade no mercado de combustíveis?

 

Em função da intervenção que o Cade fez nos postos do DF no início do ano passado, final do ano retrasado, fizemos um cálculo. Nosso Departamento de Estudos Econômicos fez uma estimativa conservadora, e chegou a um resultado de cerca de R$ 300 milhões ao ano de redução no preço do combustível. Ou seja, um benefício direto para o bolso do consumidor. Na prática, R$ 300 milhões deixaram de ser apropriados pelas empresas e isso foi uma redução no preço dos combustíveis. Esse valor representou uma redução da inflação do DF de 0,1 ponto percentual de ordem geral. Esse é um exemplo que pode ser utilizado para representar como a prática de cartel pode ser extremamente danosa para o consumidor brasileiro.

 

Dá para estimar o valor do prejuízo do consumidor por ter pago a mais nos anos anteriores? Foram quantos anos pagando R$ 300 milhões a mais?

Quando a gente fala em estimativas econômicas, sempre esbarramos em algumas dificuldades e limitações técnicas. Quanto maior o período de avaliação, mais se torna difícil essa avaliação técnica. Então, quando se fala em prejuízo já se entra em um terreno um pouco mais pantanoso. Porém, quanto a esse número de R$ 300 milhões, está muito próximo do prejuízo que foi suportado pela sociedade, de uma forma geral. E esse é o número mais recente, é muito preciso. A estimativa, a extrapolação que fizemos para alguns anos para a frente, alguns anos para trás, chegamos a um número de R$ 2 bilhões no prazo de cinco anos. Porém, insisto, quanto mais abrimos o espectro da avaliação, menos precisa se torna a estimativa. Esse número de R$ 300 milhões está bem preciso e bem conservador, até.

 

Mas há risco de volta do cartel mesmo com as medidas tomadas pelo Cade?

Risco sempre há. Daí a necessidade de uma vigilância constante do Cade. Não só do Cade, como também do Ministério Público, da Polícia Federal e de órgãos de defesa do consumidor, com o exercício constante de verificação para evitar que haja um novo movimento de coordenação de preços. Isso não só no mercado de combustíveis, mas em todos os setores da economia.

Há suspeita de formação de cartel de combustíveis nos estados da Federação? 

Há trabalhos em andamento. Eu não posso agora especificar em quais estados temos indícios ou não, até porque, se há indícios, ocorre a abertura de um procedimento de investigação, um inquérito administrativo, e esse inquérito administrativo ocorre em sigilo até o momento em que possamos debelar o cartel, para proteger a própria investigação.

O senhor é servidor de carreira do Tribunal de Contas da União (TCU) e está na presidência do Cade há três meses. Como a experiência como auditor de controle externo pode ajudar a coibir práticas anticoncorrenciais? 

Foram 17 anos de carreira no TCU antes de ser designado como presidente do Cade, posição que ocupo há três meses. Nesses 17 anos no tribunal, minha atividade diária foi em processos administrativos sancionadores, que são os mesmos processos analisados no Cade. Além disso, no tribunal, eu estive por quatro anos à frente da unidade responsável por controle de licitações e contratos em toda a administração pública federal, incluindo cartéis em licitações públicas. Esse é o crime mais danoso à sociedade quando se fala em infrações da ordem econômica. O crime de cartel, necessariamente, resultará em maiores preços e em piores serviços ao consumidor. Quando falamos em cartéis em licitações públicas, além de todos esses males, você tem um ataque direto aos cofres da União ou dos estados, aos cofres públicos.

Recentemente, o Cade desmontou um esquema de cartel de gás no Nordeste. Aqui em Brasília existe algum tipo de investigação nesse sentido? 

Coincidentemente na mesma sessão em que julgamos o cartel de distribuição de gás GLP no Nordeste, que é feito de petróleo, também julgamos um caso similar no DF. Então, já houve essa investigação e condenação das distribuidoras de gás no DF.

Ou seja, havia cartel?

É um caso já julgado. Foi identificado o cartel, os participantes, aplicada a penalidade e esse ponto eu queria destacar porque é parte do processo do Cade. Tão importante ou mais importante que aplicar a punição é garantir que o caso não venha a acontecer novamente. A multa tem um caráter pedagógico, sem dúvida, mas mais importante do que isso são as determinações do Cade para que essas práticas cessem. Além disso, há o trabalho de acompanhamento posterior para evitar  as práticas continuem a acontecer.

Mas no caso do cartel dos combustíveis, o senhor avalia que as medidas tomadas foram suficientes para coibir nova combinação de preços?

Bastante interessante o exemplo que tivemos aqui no DF. Vou endereçar justamente o ponto que você acabou de expressar: no caso do DF, houve investigação das empresas que praticavam o cartel, houve a confissão da empresa que era líder do cartel em um instrumento chamado termo de compromisso de cessação, no qual essa empresa se comprometeu a recolher aos cofres do fundo de direitos difusos algo em torno de R$ 90 milhões, se comprometeu a não praticar os atos de cartel novamente. Houve uma imposição de desinvestimento, ou seja, de venda de alguns postos de combustíveis, justamente com o objetivo de reduzir o tamanho dessa maior rede de postos.
O Cade está blindado contra ingerências políticas, já que atua contra o interesse de grandes grupos econômicos que fazem lobby em Brasília?

Sim, o Cade está blindado de ingerências políticas pelo próprio mecanismo de decisão interna. Com relação à Lava-Jato, é importante enfatizar que o conselho é um dos protagonistas da operação. Todos os programas de leniência, no âmbito da Lava-Jato, foram firmados no Cade em parceria com o Ministério Público Federal (MPF). Todos os casos são de cartéis em licitações públicas identificados no âmbito do Cade. Houve uma questão muito específica na qual foi envolvido o nome do Cade e, ao final de investigações profundas, conduzidas pela Procuradoria-Geral da República, chegou-se à conclusão de que não houve no Cade nenhum ato praticado para beneficiar nenhuma pessoa.
Mas, em outros órgãos colegiados verificaram-se casos muito graves de corrupção. O senhor acha que o fato de ser uma decisão colegiada é uma salvaguarda forte contra a corrupção?

Sim. E, além da decisão colegiada, posso citar outras características que são próprias do Cade e que, na minha opinião, protegem muito a decisão tomada pelo conselho no sentido de ser transparente, republicana e impessoal. Há participação em todo o processo do Cade, necessariamente, de um técnico concursado. Essa instrução será submetida a um coordenador que vai verificar o trabalho realizado e dar o seu parecer. Depois, esse processo passará pela mão do superintendente, que vai dar o aval geral do parecer. Daí haverá o sorteio de um conselheiro relator, que vai levar o caso para julgamento em plenário, no colegiado. Qualquer decisão estará vinculada, estará acompanhada de uma série de pareceres ao longo do processo. Além disso, há participação da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Ministério Público Federal (MPF) no processo, que têm assento no plenário do Cade. Dos órgãos que eu conheço, posso garantir que o Cade é o mais transparente e democrático na Administração Pública Federal.

 

Temos agora uma polêmica em relação à possibilidade de fim de algumas marcas de chocolate que está causando comoção nas redes sociais. Algumas marcas serão extintas?

Não. Acho que há uma desinformação sobre esse caso específico. Devo dizer, aliás, que esse é um caso que está hoje em apreciação no Cade. Há um acordo sendo negociado entre o Cade e a Nestlé, e, pelo fato de estar em processamento, os termos são sigilosos. Então, a gente não pode abrir os termos do acordo. Porém, falando em tese, qualquer processo de concentração, qualquer processo de fusão e corporação entre duas ou mais empresas que leve uma concentração excessiva de mercado, uma formação de poder excessiva em relação aos concorrentes, pode levar o Cade a adotar um dos remédios possíveis, que é a imposição de desinvestimento de alguns ativos. Desinvestimento, entretanto, não significa fechar fábricas ou deixar de vender marcas, porque dessa forma não se atingiria o fim que se pretende, que é aumentar a concorrência. Se são retiradas marcas do mercado, vai se reduzir a concorrência. Só que, por vezes, o Cade determina que determinados ativos, fábricas, marcas, produtos sejam vendidos para outro fabricante, para um concorrente.

Existem essas polêmicas que vêm  à tona relacionadas ao consumidor, mas existem também as polêmicas dentro do próprio governo. Já tramita no Judiciário um processo para tratar sobre a quem compete analisar os atos de concentração do sistema financeiro, ao Banco Central ou ao Cade. Qual avaliação do senhor sobre esse tema?

Essa é uma discussão que vem de 30 anos. A lei que estabelece as normas para o Sistema Financeiro Nacional realmente dá competência ao Banco Central em vários aspectos relacionados à regulação do sistema financeiro, questões concorrenciais e instituições financeiras. E a Lei de Defesa da Concorrência no Brasil, que instituiu o Cade, estabelece a competência geral ao conselho. Ao longo dos últimos anos, essa duplicidade do comando legal levou a um certo enfrentamento entre as duas instituições. Porém, nos últimos anos, temos verificado uma atuação cada vez maior e mais consonante entre Banco Central e Cade. Logo que assumi, procuramos a diretoria do Banco Central para externar essa preocupação. Porque, afinal de contas, hoje, temos um sistema em que há uma dupla verificação, feita tanto pelo Cade quanto pelo Banco Central com prejuízo para a sociedade de uma maneira geral, com aumento do imposto no Brasil, com aumento de insegurança jurídica. E o nosso diagnóstico é de que, neste momento, não há o que se pensar em termos de Cade ou em termos de Banco Central, e sim pensarmos no Brasil. Em face disso, houve um compromisso para que disciplinemos, ordenemos, criemos maneiras de atuarmos de maneira conjunta e coordenada. Esses trabalhos estão em andamento e temos a expectativa de que, até o fim do ano, nós tenhamos essa solução resolvida.