É preciso agir, enquanto é tempo

Chico Vigilante – Deputado Distrital e ex-deputado federal
Ricardo Berzoini – ex-deputado federal, ex- ministro do Trabalho e da Previdência

Há quase vinte anos, o Brasil viveu uma crise decorrente de falta de planejamento e ação governamental, que ficou conhecida como a “crise do apagão”. A cartilha neoliberal de FHC, Pedro Malan e Armínio Fraga adiou investimentos e provocou problemas no setor elétrico, que atingiram principalmente a geração e distribuição de energia no país. Com um programa emergencial de redução do consumo, multas para os que não cumprissem as metas e bônus para os que o fizessem, o Brasil conseguiu sair do período mais crítico sem racionamento severo. Mas não sem consequência.

Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que o apagão elétrico ocorrido em 2001 e 2002 gerou um prejuízo real em repasses tarifários e deduções no Tesouro de R$ 45,2 bilhões, descontada a inflação no período. Além disso, estima-se que o impacto no PIB foi de 0,5%, apenas em 2001.

Em 2008, uma crise financeira mundial foi enfrentada por um governo atuante e focado em preservar empregos, que implantou o Minha Casa, Minha Vida, acelerou o PAC, garantiu liquidez ao mercado de crédito e incentivou o consumo responsável pelas pessoas físicas e investimentos criteriosos pelas empresas.

Hoje, enfrentamos uma crise de natureza e dimensão muito maiores. Em primeiro lugar, pela redução da atividade econômica de boa parte do planeta, que está sob regime de quarentena ou restrições de movimentação, em razão da pandemia. Em segundo lugar pelo impacto social no setor de saúde, que exigirá aumento dos gastos e investimentos emergenciais. Por fim, pelo momento crítico do mercado de trabalho local, que sofre com taxas altíssimas de desemprego e com informalidade nunca vista.

Quem tem carteira assinada, se perder o emprego tem aviso prévio, seguro desemprego e fundo de garantia. O informal, que na sua maioria já está ganhando menos que um salário mínimo, com atividade interrompida, migra da precariedade para a fome, da pobreza para a miséria.

Governos de todo o mundo preparam planos trilionários para tentar mitigar os impactos econômicos e sociais da crise. Todas as grandes economias do planeta abandonam metas fiscais e de limites para o endividamento, conscientes que estão da situação totalmente anômala e do que pode acontecer se ações contracíclicas fortes não forem implementadas.

No Brasil, uma equipe econômica aferrada aos dogmas ultraliberais parece ainda não ter tido a noção do trágico cenário. A Medida Provisória 927 demonstra de forma didática que esse governo não tem noção e capacidade para cuidar desse assunto.

Tudo indica que os anos de 2020 e 2021 estarão sob o signo de uma recessão mundial, que poderá ser mais ou menos grave dependendo de uma coordenação entre os bancos centrais e os organismos multilaterais, FMI, Banco Mundial, com apoio decisivo do Banco e Fundo dos BRICS. O Brasil, lamentavelmente, perdeu protagonismo internacional, sendo visto hoje, como um país governado por fundamentalistas incompetentes que acreditam que a Terra é plana e que Trump é “amigo”.

Como a crise tende a ser longa, mesmo que a pandemia reflua ao longo deste ano, medidas devem ser tomadas para sustentar a demanda neste e no próximo ano.

É preciso induzir as empresas a não demitirem. E a maneira adequada pra isso é estabelecer linhas de crédito com juros reduzidos para empresas que assegurem os empregos. A contrapartida seria o governo assumir parte dos salários por três a cinco meses (30 a 50%). As empresas precisariam demonstrar a queda da receita e assinar um compromisso de manutenção dos empregos até o final da calamidade.

Outra medida necessária é garantir um salário mínimo para todos os que não tenham carteira assinada e que estejam atuando na informalidade. Trata-se de manter parte da renda dessas pessoas e assegurar que não percam, total ou parcialmente, o poder de compra que movimenta o pequeno comércio das periferias.

Para sustentar o gasto adicional do Sistema Único de Saúde, aprovar a CSS (Contribuição Social para a Saúde), nos moldes da CPMF, mas em caráter permanente, para garantir a efetiva proteção social de Saúde prevista na Constituição Federal, e que está sendo precarizada pela EC 95, que congela gastos, inclusive com o SUS.

Aprovar a tributação sobre dividendos e grandes heranças e negociar um pacto com estados e municípios para que pelo menos metade da arrecadação adicional seja empregada em investimentos em saúde e saneamento, em uma espécie de pacto pela Saúde do povo. E gerando empregos em toda a cadeia de produção desses setores.

É preciso planejar a retomada dos investimentos orçamentários do Minha Casa, Minha Vida, especialmente na faixa da baixa renda, praticamente eliminada no atual governo. Empregos serão gerados, moradias construídas, para quem mais precisa.

Por fim, mas não menos importante, tratar da reforma do imposto sobre heranças e doações, de forma a assegurar receita adicional para os estados e alinhar o Brasil com os países que tributam adequadamente a transmissão intergeracional de riqueza.

Essas medidas podem construir o ambiente necessário para que a economia nacional não sofra um “tranco” brutal e injusto. Uma recessão atinge duramente os pobres e miseráveis, além da classe média assalariada. Agir com essa consciência permite que o custo dessa crise seja menor. Devemos nos inspirar no Plano Marshall, do pós guerra, e no New Deal, contra a depressão econômica dos anos 30, que Franklin Roosevelt liderou.

Sabemos que o atual presidente e sua equipe econômica não estão à altura deste grave momento. A crise, que já era grave antes da pandemia, assume dimensões imprevisíveis. Não sabemos quando poderemos voltar a circular de forma segura para trabalhar, estudar, investir e consumir. Nesses momentos, liderança é fundamental e se o Executivo não for capaz, o Legislativo e o clamor popular devem fazer sua parte.