Coronavírus: número de profissionais de enfermagem vitimados é maior do que Itália e Espanha juntas

Reportagem do El País informa que o número de profissionais de enfermagem mortos pela covid-19 no Brasil, supera os da Itália e Espanha somados. De acordo com o site, desde o início da crise, 73 trabalhadores brasileiros foram mortos em decorrência do novo coronavírus e a falta de equipamentos de proteção e manutenção de idosos em atendimentos de doentes contribuem para a alta mortalidade.

A taxa de mortalidade das mulheres e homens da enfermagem que estão todos os dias na linha de frente do combate ao coronavírus nos hospitais brasileiros é alarmante, uma das maiores do mundo. Dados do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) revelam que, até esta quarta-feira, foram notificados 73 óbitos de profissionais pela covid-19 no Brasil. O perfil é de pessoas jovens, com 41 vítimas com idade inferior a 60 anos. No entanto, uma das profissionais tinha apenas 29 anos.

A matéria relata o trabalho da enfermeira veterana Carla Mileni Siqueira dos Santos, de 49 anos e mais de 20 anos de experiência, que culminou com sua morte. No mês de março, a enfermeira teve que colher o material para exames da primeira pessoa suspeita de covid-19 em Rondon do Pará (PA), cidade com 52 mil habitantes. A enfermeira tranquilizou a paciente, uma idosa, e realizou o protocolo de testagem para a doença. O fato, é que, poucos dias depois, e mesmo tendo tomado todos os cuidados, ela adoeceu.

Carla permaneceu alguns dias em isolamento domiciliar, mas, sua saúde piorou e precisou de internação hospitalar no fim de abril. Filha de Carla, Nathalia Roberta Siqueira dos Santos, conta que no último domingo, 3 de maio, a mão teve uma piora e pediu para ser entubada. No entanto, teve uma para cardiorrespiratória e não resistiu. “Foram 21 anos dedicados à enfermagem com muito amor. Ela era apaixonada pela profissão, uma líder que além de trabalhar na linha de frente dava cursos e ajudava a formar profissionais de saúde, enfermeiros, técnicos e auxiliares”, relata.

Com 18 mortos, a cidade de São Paulo, maior epicentro da crise no país, lidera o ranking. Em seguida, vem o Rio de Janeiro, com 14 casos. Para monitorar os óbitos na enfermagem em todo o país, o Conselho criou uma plataforma com o auxílio dos conselhos regionais. Além deste número de 73 mortes, outras 16 mortes de profissionais da categoria aguardam o resultado de testes.

Como comparação, os Estados Unidos, país com maior número de vítimas pelo coronavírus com mais de 71 mortes, perderam 46 profissionais de enfermagem, de acordo com número das entidades de classe. Segundo país com maior número de perdas pela covid-19, a Itália contabiliza 35 mortes de profissionais da categoria em um universo de 29 mil vítimas em todo o país. Em seguida, surge a Espanha com apenas 4 mortes entre profissionais de enfermagem dentre as mais de 25 mil vítimas no país.

Vale ressaltar que, Itália e Espanha começaram a enfrentar a crise antes do Brasil, inclusive, já tendo superado a curva de pico.

O Conselho Internacional de Enfermagem estima que “mais de 100 enfermeiros e técnicos perderam a vida pela covid-19 enquanto trabalhavam na linha de frente”, o que faz do Brasil o maior país com óbitos na profissão. No entanto, o órgão reconhece que este balanço é apenas a ponta do iceberg.

“Um dos fatores [para a alta mortalidade] é que boa parte dos serviços de Saúde não afastou profissionais com idade avançada, acima de 60 anos, e com comorbidades. Eles continuam atuando na linha de frente da pandemia quando deveriam estar em serviços de retaguarda ou afastados”, afirma Manoel Neri, presidente do Cofen.

Foi o que aconteceu à enfermeira Maria Aparecida Duarte, de 63 anos, conhecida pelos colegas como Cidinha. Apesar de figurar no grupo de risco, ela continuou trabalhando praticamente na porta de um pronto-socorro em Carapicuiba, na Região Metropolitana de São Paulo. Cidinha contraiu a doença e morreu no dia 3 de abril.

Um dia depois de sua morte, a Justiça Federal determinou que profissionais de enfermagem do sistema público e que sejam do grupo de risco (por idade ou doença) devem ser realocados para funções que não envolvam contato com pacientes de qualquer síndrome gripal. Obviamente, a decisão judicial chegou tarde para Maria e dezenas de outros profissionais. Outra ação requer a ampliação desta medida para os trabalhadores da rede privada.

Outro problema enfrentado pelos profissionais da enfermagem é a falta de equipamentos de proteção individual, os EPIs, revela o El País. “Não apenas escassez quantitativa desses produtos, mas também a qualidade do material é questionável. Outra questão é o treinamento das equipes para usá-los: muitos profissionais se contaminam ou pelo uso inadequado do EPI, ou então na hora da desparamentação [retirada da máscara, luvas e avental]”, diz o presidente do Cofen.

O técnico de enfermagem Luís Cláudio Bernarda, de 43 anos, foi vítima direta das tragédias que a falta de condições mínimas de segurança no trabalho pode provocar. O seu colega Jefferson Caproni, de 35 anos, conta que “ele tinha me alertado de irregularidades que estavam ocorrendo no hospital onde trabalhava, em Itapevi [Região Metropolitana de São Paulo]. Reclamou especificamente da falta de EPIs”. Dias depois, o teste de Luís deu positivo para a covid-19. Em duas semanas, ele morreu de insuficiência respiratória.

Jefferson relata que Luís era parceiro em ações sociais de prevenção nas periferias de São Paulo: “A gente fazia ação voluntária juntos, de prevenção da Saúde em Osasco e Carapicuíba, nos bairros mais pobres”.

Nas cidades onde a crise se aproxima ou já chegou ao colapso, a situação dos profissionais de Saúde é crítica. Como é o caso de Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, São Paulo e Rio de Janeiro.

Prefeituras e governos estaduais tentam abrir mais vagas de tratamento intensivo para atender a população infectada com a covid-19, umas vez que as existentes estão quase lotadas. No entanto, o Cofen avalia que isso pode ter um efeito negativo: “Muitos leitos de UTI estão sendo abertos sem enfermeiros e médicos especializados em UTIs. Então o profissional acaba sendo colocado nesse serviço extremamente especializado sem o treinamento adequado”, diz Neri. “Todos estes fatores que levam à morte de profissionais da Saúde existem tanto nos hospitais públicos quanto nos privados”.

*Com informações do EL PAÍS