OPERAÇÃO SALVA-TUCANO

A absurda decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de acabar com o foro especial por prerrogativa de função para deputados federais e para senadores caracteriza-se como uma verdadeira operação salva-tucanos. Prova disso foi a decisão do ministro do próprio STF, Alexandre de Moraes, de remeter o inquérito do senador Aécio Neves, acusado de envolvimento em fraudes de licitações, para ser julgado pelos compadres do próprio senador na 1ª instância da justiça de Minas Gerais.

Aécio, afundado em um mar de denúncias e investigações, já tinha, praticamente, desistido de tentar uma nova candidatura ao Senado nas eleições de outubro, por ter se tornado um cadáver político para o próprio PSDB. Ao ter seu processo remetido para a 1ª instância, se repetir a trajetória do seu conterrâneo, o também tucano Eduardo Azeredo, Aécio Neves terá confortáveis 20 anos para continuar sua vida política como bem entender.

Como eu já vinha alertando há tempos, a onda conservadora e reacionária, que tomou conta de parte do judiciário, de um segmento do Ministério Público e de uma parcela das autoridades policiais e que se aliou ao oligopólio midiático brasileiro, especialmente à rede Globo, teve como único objetivo atacar o PT, desconstruir os governos Lula e Dilma e acabar com as conquistas sociais dos trabalhadores e das trabalhadoras dos últimos anos. Nada tem a ver com o efetivo combate a corrupção ou com o fim de privilégios.

O primeiro abuso desse novo entendimento do STF reside no fato de que não é prerrogativa da Supremo Corte legislar sobre quaisquer temas, sendo esta uma atribuição do próprio Congresso Nacional. O direito ao foro especial para senadores e para deputados federais é cristalino e está expresso claramente no artigo 53 da Constituição Federal. Não cabe, aqui, qualquer tipo de interpretação. Diz o parágrafo primeiro do referido artigo: “os deputados e senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”.

Não há na Constituição nenhum adendo de que a prerrogativa de foro é exclusiva para crimes cometidos durante o exercício do mandato ou que se restringe a casos que guardem conexão com o próprio mandato, como decidiu, de forma arbitrária, legislar o STF. Ademais, se fosse, realmente, para acabar com supostos privilégios, cabe o questionamento: por que a decisão da Suprema Corte não envolveu o fim do foro para todos? Afinal, há quase 60 mil pessoas, dentre elas juízes e membros do Ministério Público, por exemplo, que gozam da prerrogativa de foro e que não formam afetados pela decisão do STF.

Esse mesmo STF faltou ao país quando deixou de julgar as Ações Declamatórias de Constitucionalidade (ADC) no que se refere à presunção de inocência e à possiblidade de prisão sem o término do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, como prevê o artigo 5º da Constituição Federal. Mais um exemplo em que o STF decidiu legislar, com consequências dramáticas para a nossa democracia, que, neste caso, foi a prisão injusta da maior liderança política da história do Brasil, o presidente Lula, encarcerado há um mês, em uma solitária, na sede da Polícia Federal, em Curitiba.

Em uma democracia, não cabe ao judiciário julgamentos de ocasião em que prevalecem o oportunismo e as aspirações de parte da opinião publica. Aos juízes e magistrados está reservado o dever de serem guardiões do ordenamento jurídico, ou seja, devem garantir à sociedade a realização de julgamentos segundo as leis vigentes.

Infelizmente, parte dos trabalhadores e das trabalhadoras ainda não se deram conta de que todo esse processo, em curso, de criminalização da política, notadamente do PT, faz parte de um projeto de poder, que pretende se legitimar sem o crivo do voto popular. Trata-se de um projeto autoritário, que já está implementando um estado de exceção seletivo em nosso país.

De um lado, temos Lula, vítima de uma perseguição midiática implacável e preso pela suposta posse de um apartamento que nunca foi dele, em razão de processo judicial frágil, no qual prazos foram extrapolados e a presunção de inocência foi atropelada pelo próprio STF. Do outro lado, temos malas de dinheiro gravadas, as contas de Paulo Preto na Suíça e a total impunidade de todas as lideranças tucanas, agora beneficiadas pela remissão das investigações e dos julgamentos de seus processos para os seus respectivos currais de 1ª instância.

As fissuras do golpe, que retirou a presidenta Dilma do cargo sem que ela tenha cometido crime de responsabilidade, estão expostas e se expressam na massiva rejeição ao governo do ilegítimo Michel Temer. O golpe da tacanha elite nacional sempre foi ideológico e contra as conquistas dos trabalhadores e das trabalhadoras e pela retirada de direitos e de conquistas históricas dos mais pobres. O golpe nunca foi para combater a corrupção, como grasnavam os patos da Fiesp. Afinal, se o objetivo fosse esse, a presidenta Dilma, que sequer é ré em qualquer processo, deveria ser a figura pública mais popular do país.

Chico Vigilante Lula da Silva é deputado distrital pelo PT-DF

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