Uber, OAB/DF e as armadilhas da livre iniciativa

A direção da OAB/DF divulgou nota posicionando-se contrária à limitação do número de autorizações de veículos para operar no transporte de passageiros com acionamento por aplicativos eletrônicos. Alega que a limitação fere o princípio constitucional da livre iniciativa, da liberdade do exercício de qualquer profissão e da livre concorrência.

É uma alegação infeliz e desconectada da realidade. A livre iniciativa não é justificativa para que cada um faça o que quer. Ela sempre foi e sempre será regulada pelo Poder Público, a começar pela própria OAB, que só admite o exercício da advocacia dos bacharéis em Direito que tenham inscrição na Ordem.

Se a atual direção de fato defendesse a livre iniciativa e a liberdade no exercício da profissão, começaria por abolir o exame de ordem e liberaria todos os brasileiros formados em Direito para advogar, sem a necessidade de exibir a carteira de advogado por ela expedida.

A tese jurídica da direção da OAB/DF é absurda pela sua própria natureza, uma vez que não faltam casos e argumentos para refutá-la. O liberalismo americano, por exemplo, levou à crise financeira de 2008 e quase implodiu a economia dos EUA, cujo Poder Público foi obrigado a fazer as intervenções necessárias para regular o mercado e evitar que o mundo fosse ao colapso.

Se a livre iniciativa tivesse o sentido que a atual direção da OAB/DF quer dar, o dono de um imóvel em área residencial poderia instalar ali o negócio que quisesse, como hotel, posto de combustível, boate, lanchonete, etc. É claro que não pode, porque a “livre iniciativa” está limitada por outros direitos, como o de residir em áreas sem estabelecimentos comerciais.

Se a livre iniciativa tivesse a amplitude alegada pela atual direção da OAB/DF, qualquer um poderia comprar um ônibus, uma Kombi, uma van e começar a transportar passageiros, sem que o Poder Público pudesse fazer qualquer coisa para impedir. Qualquer um, em nome da livre iniciativa, poderia usar seu próprio carro para ser taxista ou para fazer transporte remunerado de passageiro quando e onde quisesse.

Na hipótese de prevalecer a interpretação infeliz da atual direção da OAB/DF, a população seria um “mero detalhe”, subordinada a toda sorte de caprichos patrocinados pela “livre iniciativa”.
No caso específico do transporte de passageiros contratados por aplicativos, a liberação geral vai permitir que qualquer um use seu veículo para o transporte de passageiros, sem qualquer controle do Poder Público. O transporte pirata e clandestino de passageiros vai poder usar o registro no aplicativo como escudo para proteger-se da fiscalização.

Por isso, entendemos que o número de veículos cadastrados em aplicativos eletrônicos tem de ser limitado, e não há nenhuma inconstitucionalidade nisso. Ao contrário, o transporte de passageiros é serviço público e, como tal, tem de ser regulado pelo Poder Público, sob pena de omissão.

Brasília-DF, 24 de junho de 2016.

Chico Vigilante, deputado distrital pelo PT-DF